Na sequência da publicação (em vídeo e texto) de um conjunto de conversas com responsáveis de estabelecimentos de diversão noturna de concelhos da área de atuação do projeto NSCCP em que, no âmbito do subprojeto Capacitação de Profissionais de Estabelecimentos de Diversão Noturna, contactámos responsáveis por estes espaços procurando obter as suas respostas e opiniões sobre, muito em particular: – Quais as qualidades da noite da cidade onde operam Antes da pandemia Covid? E quais os problemas mais importantes aí sentidos? – Em que medida a pandemia Covid afetou e afeta a atividade dos estabelecimentos? Quais as perspetivas para o futuro? – Que medidas gostariam que fossem tomadas para, numa fase posterior à pandemia Covid, melhorar as condições da vida recreativa noturna da sua cidade? visitamos agora a cidade de Viseu: em representação de 2 espaços da cidade de Viseu conversámos com Michael Lopes da Silva ("Sai de Rastos" e "The Brothers Coffe Bar") e Frederico Nuno Costa Leite e Silva Ferreira (“The Brothers Coffe Bar”), continuando Paulo Anjos, da equipa técnica do projeto NSCCP e responsável pelo subprojeto Capacitação de Profissionais de Estabelecimentos de Diversão Noturna, a coordenar a sessão.
Leia abaixo a transcrição da entrevista ou assista aqui.
Michael Lopes da Silva – No fundo ainda não é assim que às vezes as pessoas encaram as coisas.
Paulo Anjos – Sim, a noite é um espaço de cultura, de liberdade, de um conjunto de coisas positivas.
MS – Embora também quem é proprietário das casas noturnas também tem de dar um bocado desse exemplo, não pode também permitir às vezes certas coisas… claro que depois as pessoas vão associando isso também a… tem que haver regras. Eu estou a falar pelo meu caso concreto – "Sai de Rastos" – que é uma casa que eu tenho na zona histórica, que trabalha bastante bem. Tive sempre – mesmo na altura quando abri não era obrigado a ter, porque houve um manual de boas práticas que a Câmara tentou e nós, junto da Câmara, haver alguém que representava os bares, e nós até sugerimos, aliás eu até sugeri nós pagarmos a segurança na zona história, o que foi dito logo que não, nem pensar, que isso tem a ver com a PSP, com as forças policiais e bem, a gente nunca se queria substituir às forças policiais, embora eu na altura me queixasse que poderia ser até uma empresa de segurança, mas não pode fazer patrulhamento pelo que eu percebi, e nós mesmo assim sugerimos assumirmos nós ao fim de semana o pagamento de dois agentes da PSP. Pronto, também foi dito que não, inclusive eu sempre tive um segurança – um colega meu – à porta para não saírem garrafas, mas depois chega-se à conclusão que, lá no fundo, passa-se 1 mês, passam-se 2, quem cumpre… qual é o benefício de cumprir? É cumprirmos! Não é tão multado, só por isso, de resto…
Depois o problema da noite que é: eu sou da opinião – contra mim falo, que é outro assunto que as pessoas ficam muito admiradas de eu dizer isto – eu sou contra os horários que se praticam. A noite nunca deveria acabar às 6 da manhã, aos dias de semana. Porque é inconcebível uma casa fechar às 6 de manhã, fechar e não fechar… ninguém que esteja numa casa [de diversão] noturna até às 6 da manhã ao outro dia, estudantes… ninguém vai trabalhar, não vai fazer nada! A partir de uma certa a hora já não é divertimento já é outra coisa qualquer, são mais de 20 anos nisto, já percebo isso, já são as pessoas completamente… Até uma certa hora eu defendo que aos dias da semana 2 da manhã [para] bares, 4 da amanhã para discotecas ou bares dançantes. Haver sempre esta distinção porque senão entramos em… Fins-de-semana, também ajustar, mas nunca ir até às 6 da manhã. Agora o que é que obriga? Isto é tudo uma sequência de acontecimentos! Os restaurantes começam primeiro o jantar, saem dos restaurantes à meia-noite, 1 da manhã, 2 da manhã, a partir daí não há grandes fiscalizações porque é um restaurante, as pessoas estão a comer, é tudo muito giro… as fiscalizações depois são realmente o aperto, e onde dói é mesmo aquelas fiscalizações porque alguém faz barulho, claro as pessoas estão alcoolizadas, estão a falar alto. Depois criar – para rematar isto – criaram-se sonómetros que eu achei aquilo maravilhoso! Finalmente arranjaram aqui um milagre que são sonómetros. Fomos a várias reuniões e conclusão: sonómetros ninguém colocou aquilo em prática, ou seja, eu posso dizer – e provo – que fui o primeiro, eu e outro, que foi o Irish Bar, os primeiros a termos os sonómetros. Veio uma empresa de fora, instalou, e posso dizer que passado 2 semanas estava a ser fiscalizado. E isto? quase que sou o único que tenho e vêem-me fiscalizar? Ok! E depois outra questão que eu sempre levantei é a seguinte: os sonómetros a funcionar resultam quase totalmente na noite em relação aos horários. Porquê? Porque, pelo que eu percebi – e tenho a certeza disso – os sonómetros deviam estar ligados a uma central: ou é à Câmara, que eles têm as passwords para aceder, ou às entidades policiais – que a meu ver deviam estar ligados às entidades policiais. Isto porquê, muito resumidamente? Se houver uma queixa de barulho simplesmente o agente ou a central na PSP entra com a password e vai ver: o Sai de Rastos está a trabalhar fora de horas, a laborar fora de horas… faz prova! Vai, acede e o sonómetro diz: o senhor está fora de horas. E o sonómetro aquela hora corta a música. Eu se quiser ter música depois daquela hora não tenho, corta! Só que isto é assim, isto é tudo muito bonito… Para já uns foram selados às 6:00, outros às 6:20, e isto nunca se colocou em prática. A seguir … eu já comprei dois ou seja já gastei, com faturas a comprovar, mais de 3.000€ e depois, pergunto eu, de que vale andar-se a cumprir muito, ou seja, tem de haver este sentimento de justiça logo e depois as regras… e apertar as coimas para quem não cumpre e os cumpridores… pronto, os cumpridores são cumpridores, não se vai ter de se beneficiar os cumpridores porque é uma obrigação deles. Basicamente é isto da noite!
Depois em relação à violência, também não sei se é um tema que interessa, eu acho que hoje é um tema que me toca, eu faço isto há muitos anos… Não gosto de equiparar a segurança às forças policiais mas, no fundo, umas estão ligadas às outras embora haja sempre, por vezes, algum confronto porque ninguém se vai sobrepor, ninguém vai fazer o trabalho dos outros, só que isto da violência… a violência alterou-se, dantes era uma violência diferente. Hoje como toda a gente vê é os telemóveis, é os miúdos que andam a até tarde de mais na rua… Os miúdos não podem beber, isto é outra contradição que é: eu não posso vender álcool aos miúdos – e estou muito à vontade nisso porque eles entram com cartão, já outros colegas meus… – aliás estou a falar do Sai de Rastos, como sócio tenho outros bares que é diferente, mas no Sai de Rastos estou muito à vontade porque eles entram com cartão, são menores, não podem consumir, levam um corte no cartão e nós não servimos álcool naquele cartão. Mas é lógico que eles lá dentro podem pedir ao primo, ou ao tio… e depois chegam aos Continentes e vê-se os miúdos com garrafas de litro completamente alcoolizados, ou seja, eu sou, e com toda a certeza do mundo, porque eu todos os anos costumo ir ao Canadá e gosto muito de ver o que está bem nos outros lados – e o que está mal – havia de ser completamente proibido de beber na via pública. Nas esplanadas ok, está-se nas esplanadas, está ali, mas na rua… Chegamos ali ao mercado e aquilo é horroroso… os miúdos completamente a caírem, a vomitarem, a consumirem drogas, ou seja não há… tem que haver mais aperto, no fundo…
PA – Na sua opinião devia ser proibido o consumo na rua?
MS – Completamente, por que isso vai logo filtrar montes de… Repare, eu tenho o Sai de Rastos aberto numa zona mais sensível da cidade – a zona histórica – é lógico que eu dou comigo a chegar cá fora e a pedir às pessoas para não falarem tão alto, só que as pessoas a partir de uma certa altura já estão com a taxa de álcool um bocadinho mais elevada e é lógico que o tom de voz aumenta. Mas muitas das vezes o barulho não é de ninguém que esteve no espaço. São aqueles miúdos que nem sequer vão consumir no espaço e que estão completamente embriagados na via pública. Levam garrafas de litro e esse são os que realmente provocam estas instabilidades e, às vezes, uma conotação errada de algumas casas. É no fundo isto! Basicamente é isto.
Agora também não acho que Viseu seja uma cidade violenta, não acho que seja.
PA – Querem falar um bocado do vosso espaço…
MS – O Sai de Rastos é o espaço com que mais me identifico. Depois pode falar aqui o Frederico. Temos outro espaço no qual eu sou sócio, que é o The Brothers e que agora abrimos aqui, quase dentro da pandemia, o The Brothers atrás do Tribunal. Fomos quase obrigados porque quem lá estava não estava a cumprir e nós quase em 2 ou 3 dias [decidimos] vamos abrir aqui outro Brothers. As coisas não estão a correr muito bem, vamos andando, empurrando com a barriga, digamos assim. Agora que já estamos naquela fase um bocadinho do desânimo é verdade, confesso que sim. No Sai de Rastos já nem faço contas, está fechado.
PA – Está fechado nesta fase?
MS – Está fechado… Nós tivemos bom senso de fechar até umas semanas antes de sermos obrigados, até porque tenho lá 2 sócios e entendemos que deveríamos fechar. E não podemos abrir, por obrigação do Estado não podemos abrir o espaço. O Brothers está a funcionar. Deixo aqui mais para o meu sócio, o Frederico, porque é ele que está lá mais no Brothers.
Frederico Nuno Costa Leite e Silva Ferreira – Este ano podia ser o melhor ano para a restauração e para todos. Estava a começar muito bem. Nós tivemos 2 meses em que suportámos do nosso próprio dinheiro os funcionários, não pedimos moratórias nenhumas, isto desgasta um bocado. Depois houve um pico também agora em julho e agosto, mas não chega. Foi um pico bom, mas abaixo daquilo que andava mal, já nem digo daquilo que era possível. Não é fácil. Nós fomos muito corajosos em abrir aquela casa lá em baixo. Também sabíamos para o que íamos. É uma casa totalmente diferente. Enquanto que um é um coffe bar que vai até às 2 da manhã, onde tem também serviço de bar, outro é uma cervejaria, é um estabelecimento para pessoas também mais velhas…
MS – Ou seja, em síntese, era uma casa que nós nunca a iríamos abrir nas condições normais… No outro bar já tínhamos lá “sarna para nos coçar”, como se costuma dizer.
FF – Agora, claro que está tudo acabado. Nesta fase então, desde 15 de setembro. Todos os anos é sempre a 15 de setembro que quebra. Porquê? Aulas, os pais têm de comprar livros… eu conheço o nosso mercado… Agora tem vindo a descer desde 15 de setembro até agora. E agora nem se fala.
MS – São áreas que estão muito afetadas. Também estou ligado à construção e não sinto isso – por enquanto – a construção ainda vai saindo um bocadinho. Mas também me interrogo muita vez: se não fosse a construção de que é que eu vivia. Eu, como empresário, até tenho mais de um trabalho… quer dizer, podia ter só o Sai de Rastos e era legítimo, era dinheiro limpo. Agora se eu não tivesse outra empresa para me sustentar, quer dizer os apoios não são nenhuns… neste momento estava completamente endividado. Assim se calhar ainda vou pondo algum dinheiro… canalizo da construção civil para tentar não despedir. Eu acho que ninguém gosta de despedir, penso eu que ninguém gosta de despedir. E é das coisas que realmente me faz alguma confusão, que me cria alguma ansiedade é o fato de termos de despedir. Mas se as coisas não melhorarem rapidamente – embora eu não esteja pessimista, eu acredito que vem aí uma vacina, que isto… Depois a comunicação social também cria aqui um alarido de tal forma que as pessoas ficam mesmo tolhidas. As pessoas têm de respeitar, eu não estou a dizer com isto não vamos ligar, mas cria aquele sentimento mesmo de medo, e as pessoas com medo não se mexem, as pessoas começam a desanimar e retraem-se. Com as pessoas animadas tudo funciona. No fundo é basicamente isto. Embora a nossa Câmara também tem um papel… está que está a atuar de uma forma muito positiva, isentou as esplanadas.
FF – Isso ajudou bastante…
MS – Eu sinto que dessa parte se conta mais com a Câmara. Não haver agora aquelas mesquinhices porque está ali um vaso, penso que agora, se calhar, alguém até se fizer mais alguma coisa, penso eu… Porque no fundo tem de ser isto. Também tem de se deixar os promotores destes espaços serem um bocadinho criativos que é o que se vê noutros países. Porque é que numa esplanada, está ali um vaso… vai-se a correr tirar o vaso. As pessoas acabam por gostar de uma esplanada agradável. Para dar um exemplo. Porque estes pormenores todos juntos influenciam o negócio, como é lógico.
FF – Nós tivemos – o Brothers vai fazer 11 anos – e durante o início do Brothers nós abríamos todos os dias às 8:30 da manhã. Em agosto tivemos de fazer o fecho da manhã, só abríamos a partir do meio dia. Ao fim de 10 anos! Porque as vendas já não compensavam…
PA – Não tinham clientes?
FF – Ao sair da pandemia [confinamento] houve muitos hábitos criados em casa: o café em casa, o pequeno almoço em casa. E muito gente que continuou a trabalhar em casa a partir do dia 18 de maio. E agora vêm com esta história dos 20%, uma ajuda. Isto é areia para os olhos das pessoas. Se é referente só a este ano a quebra que houve de faturação ao longo de 330 dias nos quais 70 tivemos fechados, o que quer dizer que 70 dias é zero, o que baixa muito a média. Isto aqui é…
MS – São contas que eu não me preocupo fazer. Eu costumo dizer o seguinte: alguém que está nesta área, com as contas pagas, os impostos pagos, tem o negócio a funcionar, nem vai usufruir destas coisas, isto acaba por ser um… é tipo aqui agora um jeitinho, um bocadinho mais de oxigénio…
FF – Toda a gente a reclamar…
MS – Ninguém sabe bem! A gente às vezes também tem de perceber que há negócios que vão fechar. Eu tenho de estar preparado que se isto continuar o Sai de Rastos se tiver de fechar definitivamente encerra-se. É uma empresa a viver e morrer. As empresas também nascem e morrem. Porque isto vai exigir isso. Vai fechar… estou convencidíssimo que muita coisa já não volta a abrir. Porque as pessoas acabam também por estar endividadas. E aliás eu tenho sítios de que recebia rendas e além de não receber rendas eu sei que as pessoas vão ficar com problemas, que foram adiados. Daqui a uns tempos vai começar as pessoas a virem pedir, mas isto é sabido por toda a gente que é empresário e que anda minimamente atento. Ou seja, dias difíceis… e isto é como a selva, os mais fortes sobrevivem. Não é bem assim… mas temos de estra preparados.
PA – Pois, não vai ser fácil. E perspetivam alguma coisa no futuro pós Covid, como é que perspetivam?
MS – Eu estou convencido – não vou mencionar o nome, mas curiosamente esta noite tive a falar com uma pessoa chegada e amiga, ligada à área da saúde e eles é que sabem mais, por isso é que estudaram, e eu estou convencido que a vacina vem aí e com uma boa eficácia. Agora isto não vai ser a vacina hoje e amanhã acordamos todos e pronto já está. Não, isto vai demorar. É lógico que os países mais pobres infelizmente… Agora é lógico que só o fato de aparecer a vacina já vai colocar as pessoas menos ansiosas, porque há aí situações mesmo muito dramáticas. Eu sou uma pessoa que circula aqui muito pela cidade, sou muito social, gosto de falar, e noto pessoas mesmo – embora algumas não admitam até mesmo por vergonha – há situações que estão a ficar mesmo muito dramáticas nalgumas famílias, mesmo, mesmo. E outras pessoas também não fecharam, é o drama, o medo e a ansiedade de terem que vir… já começam mas se, mas se… começaram ali a arranjar um plano B que não existe, ao fim e ao cabo. As pessoas estão com alguma idade, têm os negócios há 20, 30 anos, se fecham o negócio, quer dizer, ao outro dia não vão criar uma empresa… é complicado. Mas isto é complicado para toda a gente com a situação atual.
PA – Vocês acham que os vossos espaços vão sobreviver? Qual é a vossa perspetiva?
FF – Vamos fazendo por isso.
MS – O Sai de Rastos é como eu digo… é um bar dançante… já me disseram amigas, mete lá umas mesas. Mas não vou lá pôr nenhuma mercearia nem nenhum salão de chá, isso é enganar-me a mim próprio.
PA – Há pessoas que transformam isso em café…
MS – É lógico. Nem tem dimensão para isso, nem … pela minha experiência nem sequer ia funcionar nada disso porque já lá há muitos espaços, para isso já muitas pessoas o fizeram. Aquilo ou trabalha assim ou não trabalha, temos de ser realistas. O Brothers é uma casa que tem os clientes, vamos tentar aguentar até quando pudermos e tentarmos não despedir. Eu se tiver que canalizar – tenho dito ao Frederico – eu se tiver que canalizar algum dinheiro de outros negócios para não despedir eu assim farei.
PA – E têm funcionários em layoff?
FF – Não, tivemos no início, logo naquela fase em que nos foi permitido, até final de maio, e em junho tirámos todos, só ficaram 3 em meio layoff e em julho já não tínhamos ninguém. Usufruímos dois meses e meio.
MS – Mas os próprios colaboradores também andam… a gente sente quando há esta situação com os colaboradores…
FF – Com estas regras novas, agora vamos entrar na fase mais restrita. Eles ficam logo…
MS – Estão ali sempre à espera do que é que nós vamos decidir, o que é que… a gente anda sempre a descasá-los. Isto é como o paciente que está para falecer… Mas não é fácil nem para eles nem para nós. Eu, muitas vezes, também penso: será que eu vou aguentar isto, será que tem de se despedir? Despedir é sempre aquela última… é o que a gente quer evitar. Eu acho que qualquer empresário que se prevê deve evitar despedir colaboradores. Só por força maior. Mas a pandemia está a obrigar a fazer isso, as casas não faturam. Depois há duas soluções: ou se despede ou nos endividamos. É preciso às vezes pôr isto numa balança e contrabalançar… o despedimento às vezes é inevitável, quero eu dizer. Mas nós, em síntese, vamos tentar aguentar o máximo que pudermos. Ou seja, quero eu dizer com isto, mesmo para rematar, que se tiver ali algum bocadinho guardado não posso estar…, invisto no negócio. Um empresário tem de pensar assim. Tem de pensar que se calhar agora está muito mal e para o ano vai-se ver as pessoas todas animadas e vamos aqui tentar recuperar…
FF – E temo-nos safo. Nos já conhecemos o trabalho deles, vamos dispensar os bons funcionários também?
MS –· E notamos que as pessoas andam ansiosas para conviver. E depois entramos… a gente tem de ser cumpridor, é lógico. Mas depois entramos nesta situação de: estamos 5 numa mesa e chega o 6.º amigo. Eh, pá, não te podes sentar! Ou a gente transgride ou segue aquilo à risca. O 6.º, coitado, chegou… vais ali para o lado, que dizer. Mas é isto.
FF – E é isso que está… mesmo a nós… nós não queremos.
MS – E isto é uma complicação. Depois o governo a cada semana chegar: hoje são 6, amanhã juntem-se 8, depois de amanhã… isto anda muito… As pessoas andam sempre à espera. Esta semana vai ser o quê? E ninguém consegue às vezes delinear um caminho.
PA – Eles não sabem bem o que querem…
MS – Exatamente!
PA – De qualquer forma, relativamente à noite, acha que as pessoas, quando isto acabar voltam à noite outra vez, ou mudam de hábitos? Qual é a sua perspetiva relativamente a isso?
MS – Eu estou convencido que há mudanças que vão ficar enraizadas. Esta situação de desinfetar as mãos – e bem – se calhar não vamos deixar de ter desinfetante em todos os espaços, as pessoas vão ter outra maneira de protegerem de outras coisas. Eu costumo estar sempre a dar este exemplo, que é o seguinte: antigamente a gente andava com uma gripe e se calhar até íamos para a discoteca, e dizíamos, eh pá, estou com uma gripe, chega-te para aí! E tossíamos… Se calhar, quando isto passar se eu estiver com uma gripe vou usar uma máscara, se calhar vou evitar contaminar mais 2 ou 3. E isto se calhar vai-se refletir depois nas urgências dos hospitais. Também se calhar vai sair alguma coisa positiva disto. Agora eu não tenho receio e estou convencido que quando chegar a vacina e as pessoas começarem a ganhar a confiança, e a comunicação social… isto começa depois outra vez a caminhar. Pena é que muita gente… Depois as pessoas reinventam-se, acabam uns começam outros.
PA – E acha que a noite de Viseu vai mudar muito? Muita coisa vai à falência?
MS – Estou convencido que muitas casas vão fechar, só que também já percebi que hoje fecha uma coisa amanhã abre outra. A gente basta ir à zona histórica, se reparar as casas estão ali 2 anos, 3, salvo raras exceções, mas se reparar são negócios que vão trocando de donos. O grave disto é realmente as pessoas ficarem com dívidas e ficarem as vidas afetadas porque trocar de donos é normal. Agora a noite, a noite mesmo… quando digo noite é pela noite dentro, os bares dançantes, as discotecas, eu penso que essas pessoas acabam por outra vez… são pessoas que estão preparadas para enfrentar isto. Eu trabalhei montes de anos no grupo Noite Biba e não acredito que eles tenham algum receio de voltar a abrir, voltar a investir e voltar a criar postos de trabalho, no fundo isto depende muita gente da noite. Embora há outro assunto muito delicado que as pessoas acabam por perceber… muita gente acha que a noite é ali aquela casa, mas depois à volta daquele negócio existe uma panóplia de pessoas que vivem daquilo, não é? É o som, é o que repara as colunas, é o animador, é…
PA – Para além dos fornecedores de produtos…
MS – Esses são diretos! E muita gente é afetada. Agora eu penso que isto é uma fase, uma fase, e quanto mais rápido passar mais rápido volta à normalidade, pela minha experiência.
PA – E quais eram, no seu entendimento, as qualidades da noite de Viseu antes desta pandemia? Se tinha qualidades...
MS – Eu acredito que sim. Eu como sempre trabalhei na noite, às vezes até conheço pouco da noite. Há discotecas que eu nem as conheço, oiço falar nelas, como passo a vida nas mesmas, mas é lógico que vamos trocando ideias. Como disse, e repito, a noite de Viseu acho que é, aliás a cidade penso que é uma cidade segura, tenho a certeza de que a noite é segura, embora se tenha vindo a degradar há 4, 5 anos para cá. Isto é um conjunto de tudo. É as forças policiais não terem o apoio para poderem atuar, quer dizer nota-se isto. E nesta classe mais jovem que começa a sair agora começa-se a sentir ainda mais isso. Este sentimento de impunidade, tipo eu posso fazer isto… quer dizer, poucas regras.
PA – Há pouco falou de que colocaram a PSP ou alguns seguranças na noite é porque sentiam alguma insegurança na noite?
MS – E só pelo fato, imaginamos, estar uma carrinha na zona histórica como está sempre, ali num determinado horário, tem um efeito. Mas se as polícias andarem a patrulhar o efeito é totalmente diferente. É o polícia que passa e diz: mais baixo! Há aquela abordagem direta, quer dizer, a polícia estar só para intervir já está a “casa a arder”. Eu quando falo nisso é para antecipar os acontecimentos.
PA – A própria polícia estar perto das pessoas e ter outro comportamento…
MS – É como, por exemplo, aquele Mercado 2 de Maio, se me perguntarem o nome de um único bar estou muito à vontade para dizer que não conheço nenhum nome de bar, se calhar estou a falar de bares de amigos. Agora tenho um filho com 22 anos que já frequentou e frequenta aquela zona, é um jovem, e relata-me o que realmente lá se passa. Não pode! Passa os limites do aceitável. Acabam por se criar já grupos e depois as pessoas às vezes tapam o sol com a peneira, não existem grupos… existem grupos, existem meia dúzia de miúdos que chegam ali ao Mercado e dominam os mais vulneráveis. Isto acontece. Eles é que dizem isso não acontece. Acontece, porque a gente anda no terreno. Uma coisa é quem anda no terreno e está ali até de manhã, toda a noite a levar… Quem está à porta de um estabelecimento noturno… isto é muito complexo. A gente numa noite fala com um toxicodependente, a seguir vem outro que se vai divorciar e quer contar a história da mulher, outro vai-se suicidar, outro … a gente chega ali ao fim da noite… apanhamos gente agressiva, de tudo, e apanha-se pessoas maravilhosas. E depois as casas têm as faixas etárias. É lógico que se a gente tiver uma casa com pessoas que maioritariamente são pessoas mais velhas, à partida pode haver atritos mas é uma coisa diferente. Agora uma casa que praticamente são miúdos é lógico que ali a segurança ainda tem de ser mais reforçada. E quando digo reforçada nem é no interior das casas, porque aí estão lá os colegas meus, no fundo é quando se sai. Quando se sai é que há vandalismo, é pessoal que está embriagado que parte um sinal, partem vidros… eu já assisti a isso tudo. Alguém chegar e partir o vidro de um carro e depois é este sentimento de impunidade, o que é que podemos fazer? Agora eu não vejo que seja um drama, acho que há aí cidades muito piores. É como a história que eu costumo contar muito: quando às vezes comparamos a zona histórica de Viseu com o Bairro Alto – também é um sítio que eu não frequento mas que tenho noção – são coisas incomparáveis. Aí é que realmente há barulho, realmente há confusão. Ou na zona da Oura, no Algarve. Agora na zona histórica até acho que não seja assim uma gravidade, tirando um ponto ou outro, o que é lógico, mas isso acho que tem de ser corrigido. Mas não acho que seja uma cidade violenta em nada.
PA – É uma cidade com qualidades…
MS – Sim, continua a ser uma cidade com qualidades, por isso é que é Viseu. Somos Viseu!
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